Filha de Fux e suplente de Flávio Bolsonaro tornam suspeita decisão de ministro no caso Queiroz
Não fosse pela simples preservação do decoro, o ministro Luiz Fux, do STF, teria outro motivo relevante para se manter distante do pedido de Flávio Bolsonaro para suspender, liminarmente, a investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro sobre a movimentação financeira atípica de Fabrício Queiroz.
Sua filha, Marianna Fux, hoje desembargadora do Rio de Janeiro, trabalhou no escritório de advocacia em que um homem de confiança de Bolsonaro era sócio: Gustavo Bebianno, ministro responsável pela Secretaria Geral da Presidência da República.
A amizade foi descrita em um perfil de Bruno Abbud, publicado na revista Época, e envolve outro personagem, este diretamente ligado a Flávio Bolsonaro, o empresário Paulo Marinho, que é primeiro suplente do senador eleito.
Bebianno e Marinho se conheceram há mais de trinta anos, através do advogado Sérgio Bermudes, para quem o ministro de Bolsonaro e Mariana Fux trabalhavam, ele como sócio, ela como trainee, inicialmente.
“Sou muito amigo do Bermudes e frequentava o escritório”, contou Marinho. “Foi lá que conheci o Gustavo Bebianno e de lá para cá mantenho uma relação muito próxima e muito amistosa com ele. Somos amigos há 35 anos”, acrescentou.
O suplente do senador Flávio Bolsonaro é um antigo conhecido dos jornalistas. Foi marido de Maitê Proença e se apresenta como empresário.
Foi braço direito de Nélson Tanure, que desde os anos 90 frequenta o noticiário como um controvertido negociante.
Em 2001, Paulo Marinho esteve no epicentro do caso que levou à demissão do jornalista Ricardo Boechat, do jornal O Globo e também da TV Globo Globo.
Uma escuta clandestina, feita ao que tudo indica para atender a interesses de Daniel Dantas numa disputa por concessão de telefonia, mostra Boechat e Marinho numa conversa estranha.
Boechat lê uma reportagem que iria publicar em O Globo e também orienta o empresário sobre como se comportar numa conversa com João Roberto Marinho, um dos donos do jornal.
Marinho, depois de ler a reportagem que interessava a seu patrão, Tanure, comenta:
“A matéria tá muito bem-feita, meu querido. Tá na conta. Não precisa botar mais p… nenhuma, não. O resto é como você falou: é adjetivação que você não pode colocar. (…)”
Boechat responde:
“Os caras (editores de O Globo) disseram que vão dar bem a matéria, vamos ver”.
A especialidade de Paulo Marinho (que não tem nenhuma relação de parentesco com os controladores das organizações Globo) parece ser a de tecer relações que podem resultar em benefícios para ele.
Depois de apresentado a Bolsonaro por Bebianno, emprestou um estúdio para o capitão gravar propagandas eleitorais, ganhou sua confiança e se tornou primeiro suplente de Flávio Bolsonaro.
Bebianno, por sua vez, se tornou amigo da filha de Luiz Fux quando voltou a trabalhar no escritório de Bermudes, desta vez como sócio, depois de uma temporada como diretor jurídico do Jornal do Brasil, que Tanure havia comprado e Paulo Marinho era, formalmente, vice-presidente.
Marianne era trainee no escritório de Bermudes, como registra o perfil da revista Época, e se tornou amiga de Bebianno.
Em dezembro passado, antes de Bolsonaro tomar posse, Bebianno recepcionou Luiz Fux em uma visita que este fez ao governo de transição, no Centro Cultural Banco do Brasil.
Bebianno levou Fux até Bolsonaro, que havia dado uma declaração de que poderia vetar o aumento no salário dos juízes, a partir do reajuste aprovado pelo STF.
Era um tema em que Fux tinha se empenhado desde que autorizou o auxílio-moradia para todos os juízes, ao mesmo tempo em que a filha era nomeada desembargadora, através da indicação da OAB, pelo quinto constitucional.
Depois da visita de Fux, Bolsonaro amaciou o discurso. Não vetou — depois de dizer que Temer avançara o sinal e, pela lei de responsabilidade fiscal, não poderia criar despesas para o governo seguinte pagar.
Fazia sentido, mas Bolsonaro não tocou mais no assunto.
Vamos fazer de conta que essa teia de relações pode não ter nada a ver com a decisão de Fux.
Vamos fazer de conta que o ministro pode ter agido em nome do interesse público, ao escrever que sua intenção é proteger o processo, dentro do princípio Kompetenz-Kompetenz.
(O que ele quer dizer é que a competência para processar e julgar Flávio Bolsonaro é o Supremo Tribunal Federal).
Mesmo assim, com muito esforço, é impossível a um especialista em Direito endossar a atitude do ministro.
O argumento é frágil sob vários aspectos.
Na decisão, ele mesmo faz referência à Ação Penal 937-QO, que restringiu o foro privilegiado ao processo e julgamento por “atos praticados durante o exercício do mandato e a ela relacionados”.
O mandato de Flávio Bolsonaro só se inicia em no dia 1o de fevereiro, quando ele tomará posse, e os atos de que agora o filho do presidente se torna suspeito ocorreram antes da sua eleição.
Levando em consideração apenas aspectos do Direito, dificilmente será mantida. Mas, nos dias de hoje, as leis e a jurisprudência têm tido pouca importância nas cortes superiores.
Com sua decisão, Fux só conseguiu jogar o STF um pouco mais fundo na lama em que a corte está mergulhada já faz bastante tempo.
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