Cidade catarinense deu 82% dos votos a Bolsonaro e perdeu metade dos seus médicos do Mais Médicos
NICOLAS FICOU OITO DIAS internado no hospital de Içara. E nenhum dos médicos sabia explicar o que atacava o garoto de 8 anos. “Depois disso, eu trouxe ele no posto de saúde e conhecemos a doutora Ienni”, me disse a mãe de Nicolas, Renata Reus, moradora da pequena cidade no interior de Santa Catarina.
A doutora Ienni Lopes Camacho, de 27 anos, é um dos nove cubanos que atuavam na cidade de 55 mil habitantes como parte do programa Mais Médicos até a decisão do governo caribenho de retirar seus profissionais do Brasil em resposta ao presidente eleito, Jair Bolsonaro, crítico da importação de médicos. Os cubanos representam metade do força de atendimento básico na cidade.
Leia também:
- Lula teria vencido as eleições se não tivesse sido preso por Moro, atual Ministro de Bolsonaro
- Deputados ingleses defendem liberdade de Lula em moção no parlamento inglês
- Dono da Havan é multado em 100 milhões por coagir funcionários a votar em Bolsonaro
- Bolsonaro diz que “questão ideológica” é muito mais grave que corrupção
- MP faz operação na casa de Ronaldinho Gaúcho e apreende carros e obras de arte
- EUA querem Brasil de Bolsonaro longe da China e aberto aos produtos americanos
Nicolas sofria há meses de problemas de saúde não identificados. Quando encontrou o rapaz, Camacho pediu uma série de exames e descobriu que o garoto sofria de múltiplas alergias, incluindo doença celíaca, o que o impede de comer alimentos com glúten, como pão. “Ela foi muito atenciosa e pediu vários exames até descobrir o que ele tinha”, me disse a mãe. “Não quero desmerecer os médicos brasileiros, mas os cubanos têm um cuidado especial com os pacientes. Se eles forem embora, acho que a nossa cidade vai piorar”, completou.
No dia 19 de novembro, Renata Reus saiu lacrimejando da última consulta com a sua médica preferida. Assim como outros 8.555 médicos cubanos no Brasil, Camacho deve deixar o país. “Podemos fazer um abaixo-assinado para a doutora ficar na cidade?”, perguntou.
A mãe de Nicolas votou em Jair Bolsonaro, bem como 82% dos eleitores de Içara. “Eu não tenho como dizer se é culpa dele [Bolsonaro] ou não a saída dos médicos cubanos, pois ele nem assumiu ainda a Presidência. Eu acredito que ele vai ser um bom presidente, mas que esses médicos não deveriam ser retirados por uma avaliação política, mas, sim, pelo seu profissionalismo. É triste isso porque perdemos bons profissionais”, me disse.
Dos 18 médicos que atuam na atenção básica na cidade, 14 são do programa Mais Médicos.
Nesta semana, uma médica cubana de Içara já retornou para a ilha do Caribe, e todos os médicos estrangeiros já estavam afastados do trabalho desde terça-feira por orientação do governo da ilha. Dos 18 médicos que atuam na atenção básica na cidade, 14 são do programa Mais Médicos, criado em 2013 pela presidente Dilma Rousseff para capilalizar o atendimento ao interior do Brasil, muitas vezes deixado de lado pelos doutores que preferem ficar nas capitais. Além dos nove cubanos, há cinco brasileiros no Mais Médicos de Içara.
Ienni Camacho estava na sua primeira missão humanitária como médica. Com um filho de 2 anos que ficou em Cuba com a avó, ela já definiu que deixa o Brasil em dezembro. “Ela não vai embora. Se o Fidel vier buscar ela vamos colocar ele pra correr daqui”, brincou Waldir Gislon, 77, enquanto aguardava pela consulta.
Camacho também está sofrendo. “É muito doloroso, porque depois de um ano e três meses aqui, já conheço todos os meus pacientes e só de ver eles na porta já sei se é acompanhamento, primeira visita ou retorno por algum exame”, diz a médica.