Militares tem que ser derrotados politicamente, analisa cientista político
01/04/2022
A principal coluna de sustentação do bolsonarismo, são os militares, além do que logo após a redemocratização, agentes da ditadura que cometeram crimes, sequer foram punidos como em outros países. Dito isso, os comandantes das três forças armadas, escrevem notas exaltando o golpe militar de 1964, em pleno século XXI.
O cientista político e sociólogo, Emir Sader, analisa que a derrota dos militares de maneira política e ideológica, deve ser uma tarefa central das forças progressistas, não basta apenas derrotar Jair Bolsonaro.
Reproduzimos abaixo a análise de Emir:
”Os militares latino-americanos se lançaram com toda sua força nos golpes militares em vários países da América do Sul nas décadas de 1960 e 1970. No Brasil em 1964, no Chile e no Uruguai em 1973, na Argentina em 1976.
Fechou-se assim o círculo que fez com que esses países constituíssem regimes de terror e em que as FFAA tiveram papel de protagonismo. Eram não apenas ditaduras, mas ditaduras militares, muito similares nos quatro países.
As quatro ditaduras terminaram mais ou menos ao mesmo tempo, abrindo processos de redemocratização. Mas as formas como os militares saíram do governo foram distintas.
Na Argentina, quando se deram conta que o regime estava com seus dias contados, o ditador no governo, Leopoldo Gualtieri, desatou uma ofensiva para tentar reconquistar as Ilhas Malvinas, em 1982. Foram dois meses de combate até que a Inglaterra derrotasse as tropas argentinas. No ano seguinte, a ditadura argentina terminou.
Os militares saíram do governo derrotados, não apenas porque o regime militar tinha perdido apoio e estava isolado, mas também pela derrota na guerra das Malvinas, que era a última cartada que o regime jogou. Além disso, a comparação entre a violência com que os militares tinham interrogado, torturado e assassinado a militantes da oposição e a fraqueza que demonstraram na guerra contra os ingleses.
No Chile, quando chegava ao final do seu mandato, conforme a própria constituição que a Ditadura Militar tinha promulgado em pleno estado de sitio, Pinochet convocou um referendo sobre se ele poderia se candidatar a um novo mandato presidencial.
Contrariamente às suas expectativas, Pinochet perdeu o referendo e teve que deixar o governo em 1990, dois anos depois. Com ele, saíram os militares, derrotados, dando início a um longo processo de redemocratização.
No Uruguai, já na sua crise final, a Ditadura convocou plebiscito sobre um Conselho de Segurança Nacional, em 1980. Perdeu e, a partir dali, se iniciou o processo de transição para a democracia, que foi restabelecida em 1984. Os militares se retiram do governo derrotados.
No Brasil, ao contrário, não houve nada parecido. Os militares tentaram conduzir o processo de transição. Conseguiram, em parte, evitando a eleição do primeiro presidente civil desde 1960 por eleições diretas. A eleição de José Sarney – pela morte de Tancredo Neves -, com o novo governo sendo uma mescla entre o velho e o novo, fez com que os militares se retirassem do governo sem traumas, nem processos contra tudo o que tinham feito contra a democracia e os direitos humanos.
Os governos posteriores conviveram com os militares. Até que a Comissao da Verdade finalmente fez o que deveria ter sido feito no final da ditadura: avaliar tudo o que o Brasil tinha vivido durante a Ditadura Militar. E, claro, as responsabilidades dos militares vieram à tona, o que os deixou especialmente incomodados.
Na nova ruptura da democracia, com o golpe de 2016 contra a Dilma, os militares apoiando tacitamente voltaram a se pronunciar mais abertamente. Destaque para a pressão sobre o STF quando se julgava o habeas corpus ao Lula.
Na data do golpe militar de 1964, os comandantes em chefe das FFAA lançaram um documento junto com o atual ministro da defesa, militar retirado, que fazia a apologia do golpe como movimento para defender a democracia.
Retomaram todo o discurso da ideologia de segurança nacional adotada pelos militares brasileiros desde a fundação da Escola Superior de Guerra no final dos anos 1940 e vigente para eles desde então. As FFAA são consideradas a reserva do país contra as supostas tentativas de instauração de regimes não democráticos (o discurso dos riscos de venezualizacao, etc.).
Desde a ruptura da democracia em 2016, os militares passaram a ser nomeados em massa, em milhares deles, para cargos no governo. No governo Bolsonaro passaram a ter um lugar essencial, ocupando postos estratégicos e constituindo-se em sustentação fundamental do governo.
A democratização do Brasil terá que ser também um processo de desmilitarização do Estado. O documento assinado pelos três comandantes das FFAA confirma que sua visão do Brasil não é uma visão democrática. Sempre se reivindicam um papel político, de tutela sobre o pais.
A derrota da direita nas eleições deste ano tem que significar também a derrota política dos militares comprometidos com a candidatura do Bolsonaro, com um militar retirado de vice. A democratização no Brasil tem que significar também a derrota politica dos militares e a desmilitarização do Estado brasileiro.
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